Ordo Fratrum Minorum Capuccinorum PT

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updated 11:54 AM UTC, Mar 20, 2024

Carta do Ministro geral

Let

Prot. N. 00053/23

A todas as irmãs Clarissas Capuchinhas

“O Filho de Deus fez-se para nós o Caminho”

(Santa Clara, Testamento n.5)

Queridas Irmãs,

O Senhor vos dê a paz!

À luz dos centenários que estamos celebrando como Família Franciscana, e em continuidade com a minha carta escrita há alguns dias convidando toda a Ordem a permanecer sob o mistério luminoso do “Filho de Deus que se fez nosso irmão”[1], gostaria de agora dirigir-vos uma palavra de ânimo, mais especificamente a todas vós, queridas irmãs, sobre o caminho concreto que estamos percorrendo, como mesmo nos ressalta Santa Clara: “O Filho de Deus fez-se para nós o Caminho, que nosso bem-aventurado pai Francisco, que o amou e seguiu de verdade, nos mostrou e ensinou por palavra e exemplo.”[2]

1.1.      Neste ano do Senhor de 2023, iniciamos o caminho unitário das celebrações jubilares, que por um lado recorda a aprovação eclesial da Regra dos Frades Menores, e por outro o memorável Natal de Greccio, “centenários que estão estreitamente unidos entre si”[3]. De fato, é a partir da fé no mistério da Encarnação, que podemos compreender de maneira mais abrangente o longo e complexo processo de formulação, redação, aprovação capitular e aprovação eclesial da forma de vida, que encontra o seu cume na Bula Pontifícia que aprovou canonicamente a Regra  dos Frades Menores[4]. O próprio São Francisco, percorrendo de maneira pessoal este delicado itinerário, evidentemente não ausente de provas e tentações, chegou a uma nova e luminosa convicção sobre o mistério de Deus que se manifesta na Encarnação, na pequenez, na fragilidade e na pobreza.

1.2.      Dessa maneira a Regra deve ser compreendida como este instrumento útil e fundamental que contém as coordenadas carismáticas que possibilitam encarnar o Evangelho. É um canal privilegiado para passar permanentemente da fé à vida e da vida à fé. É uma ajuda para viver o Evangelho, ou seja, para gerar em nós Cristo Jesus, e fazê-lo nascer “por santa operação que deve brilhar como exemplo para os outros”[5].

1.3.      Santa Clara, com uma lúcida consciência do seu contexto social e eclesial, e ao mesmo tempo fundamentada, com suas co-irmãs, sobre a sua identidade vocacional, tomou por base o texto da Regra dos Frades Menores para definir sua forma de vida: buscou adaptá-la, reformulá-la e completá-la criativamente, ajustando-a ao estilo de vida feminino, contemplativo e estável, para fazer nascer a Regra das Irmãs Pobres, aprovada com a Bula Pontifícia na vigília da sua morte[6], fato que pode ser considerado como um exemplo da íntima relação entre a formulação do estilo de vida e a fé no mistério da Encarnação.

2.         Um novo passo na revisão das Constituições

2.1.      Analogicamente, tudo o que afirmamos da relação entre a Regra e a Encarnação, poderia aplicar-se também às Constituições, que “são um texto para defender a identidade, favorecer uma adequada atualização e ser um instrumento de unidade na diversidade”[7]. Seria algo muito belo interpretar o processo de adaptação e de revisão das vossas Constituições à luz do grande mistério do Verbo feito carne, com todas as suas consequências espirituais e práticas. Tantas culturas diversas unidas na mesma vocação, que são refletidas em um texto inspirador e normativo! Novos contextos e diferentes sensibilidades que se direcionam à mesma tradição e guiam a vida a partir de parâmetros comuns! Deixo a cada uma de vós a tarefa de aprofundar este caminho de reflexão orante e de admiração contemplativa.

2.2.      Por minha parte, e de maneira particular, antecipo e apresento com esta carta o rascunho das propostas para a revisão de vossas Constituições, que em breve encontrar-se-ão em vossas mãos, traduzidas nas várias línguas. A pequena Comissão, composta de três irmãs provenientes de várias partes do mundo, conseguiu realizar um trabalho minucioso, recolhendo as inúmeras sensibilidades que nasceram das várias reflexões e contribuições, junto aos elementos fundamentais dos novos documentos da Igreja, adequando-se às atuais disposições canônicas, e ao mesmo tempo respeitando substancialmente a atual fisionomia do texto.

2.3.      Caberá a cada uma de vós receber de maneira adequada este texto revisado. Será indispensável acolhê-lo cordialmente, avaliá-lo na oração e no diálogo fraterno, pronunciar-se sobre ele com maturidade, e fazer seguramente qualquer proposta concreta de modificação. A metodologia que se deverá seguir será explicada pelas irmãs da Comissão e pelas representantes das Federações. Eu, por minha parte, convido a cada uma, uma vez mais, a tomar consciência deste exercício como “um modo excelente de viver a sinodalidade constitutiva da Igreja”[8].

3.         Rumo a comunidades interculturais

3.1.      É importantíssima a necessidade de esforçar-se em traduzir e adaptar a espiritualidade às situações particulares de cada cultura. “Como Cristo, Palavra encarnada do Pai, que assumiu uma cultura concreta, também a nós nos corresponde encarnar no cotidiano da vida os valores que compartimos e que caracterizam a nossa identidade de frades menores.”[9]Paralelamente, neste mundo, sempre mais comunicativo e em movimento, somos continuamente desafiados a construir pontes de interculturalidade. “Somos chamados a aprofundar os desafios da cultura atual, remetendo-nos, em primeiro lugar, às experiências interculturais já em ato na Ordem. O nosso carisma de fraternidade pode oferecer um belo testemunho sobre como realizar a comunhão no mundo de hoje”[10].

3.2.      A fé, renovada pelo estupor diante do mistério da Encarnação, nos conduz à experiência da confiança, não obstante, as fraquezas e as limitações. A tendência consolidada com relação à diminuição do número de irmãs, o declínio das vocações e o fechamento de alguns mosteiros, são realidades que não se podem negar, por mais que sejam marcadas por diferentes intensidades nas várias regiões do mundo. Entretanto, isto não justifica de modo algum a inércia ou o fechar-se nas próprias necessidades. Precisamos abrir-nos e acolher com fé o caminho misterioso que a realidade nos apresenta, o verdadeiro caminho da encarnação.

3.3.      Eu gostaria de ser muito claro: o medo e a prudência humana nos fecham nos próprios Mosteiros com os seus pequenos problemas, tantas vezes condicionados pela míope preocupação pelo futuro e pela sobrevivência, quando o Espírito do Senhor pelo contrário, nos diz que devemos arriscar-nos na comunhão, tentar construir pontes nas nossas fragilidades e testemunhar que a fraternidade pode ser marcada por experiências concretas de colaborações, trocas de experiências, serviços, refundações; e ainda novas fundações aonde o carisma ainda não é presente. Não se trata absolutamente de manter os muros ou de reproduzir “aquilo que sempre se fez”, nem muito menos de prolongar situações que nos privam de vitalidade. É uma nova dinâmica, com uma forte exigência humana de capacidade de diálogo entre culturas, mas que requer uma atitude espiritual de confiança e de expropriação franciscana.

3.4.      De maneira concreta, agradecemos a Deus e estamos felizes que com este novo espírito se esteja iniciando uma nova fundação das Clarissas Capuchinhas em Paraguai, com a colaboração de irmãs provenientes de toda a América. De fato, os projetos de colaboração, sejam eles ao nível de federação ou interfederacional, podem realizar-se somente nesta sintonia, com a consciência da corresponsabilidade do carisma.

3.5.      Com este mesmo espírito se realizará a refundação do Mosteiro de San Giovanni Rotondo na Itália com as irmãs da Federação do México-Norte, que aceitaram este desafio, e que esperamos que seja concretizado em breve. É evidente a importância do Santuário de São Pio de Pietrelcina como também o significado da presença da vida contemplativa no interior do complexo de evangelização, onde transitam tantos peregrinos. É clara a potencialidade que oferece este lugar para o carisma das Clarissas Capuchinhas, seja no sentido de tornar visível as irmãs, como também no compartilhar com os fiéis o testemunho da própria espiritualidade. Por isso, podemos afirmar que, embora não seja uma presença histórica, se trata de um lugar muito significativo. É por este motivo que a Ordem promove este projeto de colaboração internacional, e encoraja as irmãs a responder com generosidade e sem demora.

3.6.      Gostaria ainda de fazer um apelo a cada uma de vós, para que escutando a voz do Espírito e refletindo sobre a própria disponibilidade, façam um caminho de discernimento, para que descubram se internamente se sentem chamadas  à confiança e a viver “sem nada de próprio”, e a deixar a própria comunidade para ser enviada a projetos coerentes e sólidos de colaboração intercultural e carismático. De maneira especial desejo encorajar as madres abadessas e as Presidentes a abrirem-se ao discernimento espiritual com prudência evangélica, não mundana, ponderando a realidade do dinamismo interior que move as irmãs, e sustentar iniciativas deste gênero. Nós, que carregamos o peso do ministério da autoridade, devemos prestar contas ao Senhor se alguma das nossas decisões impediram ou não a ação da Graça.

4.         O Mosteiro de Roma

4.1.      Direcionando-se de maneira ainda mais concreta, gostaria de focar a nossa reflexão ao Mosteiro “Corporis Christi” de Roma, considerando que a sua história e a sua presença são muito particulares. Desde suas origens, as Capuchinhas de Santa Clara foram convocadas pelo próprio Papa para a sua diocese[11]. Por isso, esta é uma comunidade chamada a viver de modo especial a catolicidade da Igreja, e a ser um sustento orante de maneira particular do ministério petrino.

4.2.      Da mesma forma, como Mosteiro que está diretamente sob os cuidados do Ministro geral, na sua longa história manifestou a comunhão vital e recíproca entre Capuchinhos e Capuchinhas, sustentando espiritualmente a missão dos sucessores de São Francisco e das estruturas ligadas ao governo e animação internacional da Ordem, ainda que tenha mudado algumas vezes o lugar de residência até chegar ao atual de Garbatella. Nos últimos anos, de modo particular, a comunidade foi encarregada de hospedar o Projeto Internacional de Formação.

4.3.      Por isso, o perfil internacional e intercultural aponta profundamente para a identidade e a missão insubstituível deste Mosteiro. Isto podemos facilmente perceber através das irmãs que fazem parte da comunidade, das que participam do Projeto de formação, da estreita relação que mantém com os frades que trabalham nas estruturas gerais da Ordem Capuchinha e com tantos frades e irmãs de todo o mundo que servem a Igreja universal em Roma.

4.4.      Sem desejar assimilá-lo de modo algum a uma espécie de Casa Geral, como é o caso de uma Ordem centralizada, o Mosteiro de Roma é, em um certo sentido, a casa de todas as Clarissas Capuchinhas do mundo e também responsabilidade moral de todas as comunidades. Podemos afirmar sem exagero que é o principal lugar prático de aprendizagem da identidade carismática nas dinâmicas interculturais, como foi demonstrado em todos estes anos.

4.5.      Faço um apelo a esta consciência, a esta história, a esta missão, ao desafio atual da interculturalidade e sobretudo à confiança franciscana, fruto da fé no mistério da Encarnação, para solicitar-vos um sinal concreto de pertença e colaboração. Que cada Federação envie ao menos uma irmã para fazer parte desta significativa comunidade, para configurá-la sempre mais como o rosto internacional das Clarissas Capuchinhas!

4.6.      Agradecemos ao Senhor, às irmãs e às Federações por aquilo que já foi realizado em tantos anos de caminhada, com alguns erros, é verdade, porém, com a graça de Deus, marcado por muito mais luzes que sombras. Continuamos este caminho com coragem, apostando com aquele renovado entusiasmo que nasce da confiança de Deus conosco.

5.         Projeto de Formação Internacional

5.1.      O Projeto Formativo tem sido promovido por nós frades como resposta à exigência de preparar irmãs que possam assumir e acompanhar a formação nos seus respectivos Mosteiros e reforçar assim as diversas iniciativas formativas ao nível nacional e de federação, lá onde estão presentes as irmãs contemplativas capuchinhas. Este projeto foi composto de diversas etapas: a primeira aconteceu no Mosteiro de Santo Urbano em Roma, depois no Colégio Internacional de São Lourenço com um curso especial de um ano e, finalmente, no atual Mosteiro de Garbatella de onde se acede à Universidade.

5.2.      As Presidentes das Federações e os seus respectivos Conselhos consideraram o projeto como algo muito positivo nos seus objetivos e nos seus meios; da mesma forma como as irmãs que puderam participar e que apreciaram muito a formação recebida. No que se refere ao impacto desta formação, ao nível pessoal, se destaca a ajuda no campo da maturidade humana e da identidade carismática, assim como a compreensão do mundo e das culturas, junto à capacidade intelectual e ao conhecimento histórico, sempre em benefício das vocações contemplativas. Também no que se refere ao aspecto comunitário e de federação se registra um alto grau de satisfação no modo pelo qual a formação recebida vem sendo compartilhada e transmitida. A aprendizagem da língua italiana se apresenta como o primeiro grande desafio que, se bem em algumas vezes pode parecer um obstáculo, na realidade é um caminho em potencial de comunicação e de comunhão internacional.

5.3.      É claro que temos a necessidade de crescer para que o projeto tenha continuidade. Olhando para o futuro, gostaríamos de acolher com boa vontade as suas sugestões, que são numerosas e diversificadas, e que merecem sem dúvida serem avaliadas e calibradas para incorporar assim algumas propostas. Nesse ínterim, peço às Federações que sejam abertas ao envio de novas irmãs estudantes para, dessa forma, podermos dar continuidade e ritmo ao Projeto como está previsto.

6.         Conclusões

6.1.      “Deus é puro dom, entrega absoluta. Não reserva nada de si para si mesmo. O seu dinamismo expansivo de amor torna-se concreto na Encarnação, pela qual, através do Filho, o mundo se enche de Deus: o Criador, fazendo-se criatura, transforma a nossa história em uma história de amor”[12]. Sob o fundamento desta certeza, faço este convite especial a cada uma de vós, irmãs, a continuar a percorrer com gratidão e confiança o caminho da vocação.

6.2.      A partir da nossa pobreza e das limitações, caminhamos amparados pela Virgem Maria, “dulcíssima Mãe, que gerou tal Filho que os céus não podiam conter mas que ela recolheu no pequeno claustro do seu santo seio e carregou no seu regaço de menina”[13]. Que Ela continue a cuidar e abençoar a cada uma de vós. 

Fraternalmente,

________________________

        Fr. Roberto Genuin

    Ministro Geral OFMCap



[1] Fr. Roberto Genuin, O Filho de Deus se fez nosso Irmão. Roma, 1º de janeiro de 2023.

[2] Santa Clara, Testamento n. 5.

[3] Fr. Roberto Genuin, O Filho de Deus se fez nosso Irmão, n. 1. Roma, 1º de janeiro de 2023.

[4] Cf. Papa Honório III, Bula “Solet annuere”. Latrão, 29 de novembro de 1223.

[5] São Francisco de Assis, Carta aos fiéis (Primeira Recensão), n. 10.

[6] Cf. Papa Inocêncio IV, Bula “Solet annuere”. Assis, 9 de agosto de 1253.

[7] Fr. Roberto Genuin, A revisão das Constituições das Clarissas Capuchinhas, n. 1. Roma, 17 de setembro de 2019.

[8] Ibid., n. 3.

[9] Fr. Roberto Genuin, O Filho de Deus se fez nosso Irmão, n. 14. Roma, 1º de janeiro de 2023.

[10] Fr. Mauro Jöhri, Dois rostos do mesmo carisma, n. 2,4. Roma, 25 de março de 2017.

[11] Cf. Papa Gregório XIII, Breve “Cupientes”. Roma, 1º de março de 1576.

[12] Fr. Roberto Genuin, O Filho de Deus se fez nosso irmão, n. 15. Roma, 1º de janeiro de 2023.

[13] Santa Clara, III Carta a Santa Inês de Praga n. 18-19.